sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

ARROWHEAD 2009



Só consegui dormir 2 horas, de 23:30Hs até 1:30Hs, estava muito tenso, não via a hora da prova começar, a temperatura estava batendo recordes negativos, estava bem treinado, pois puxei pneu pelas praias do Rio de Janeiro por 4 meses, sabia que teria resistência para suportar o peso de puxar o trenó com todo equipamento obrigatório, comida e água que dá uns 20 kg por 217 Km na neve, só não sabia se meu corpo suportaria a temperatura por 60 horas.
Larguei as 7:40 Hs só com a segunda pele e o casaco de goretex, teve uma nevasca na noite anterior a prova e a neve ficou muito fofa dificultando muito a prova, era como se corresse na areia da praia puxando um saco de 50 Kg, fui com tudo, estava com raiva dessa prova, pois foi a única que tinha me vencido, da largada ao chekin 1 eram 60 Km e fui passando um a um, o corpo estava em perfeita sintonia com o celebro e já estava em 2º lugar quando cheguei no chekin 01 com 9 horas de prova, foi aqui que no ano passado a médica me tirou da prova mas dessa vez nada vai me impedir, minha água estava toda congelada, troquei as roupas colocando roupas secas, o meu amigo e atleta João Prestes que tinha abandonado a prova me ajudou com o material e comida, comi alguma coisa e por erro não acrescentei mais uma camada de roupa.
Sai umas 17:20 Hs em direção ao chekin 2 que eram mais 55 Km, já estava escuro e a temperatura vinha caindo bem, mas como estava correndo me mantinha aquecido, tinha que controlar o tempo todo, não podia colocar roupa de mais e suar, se não o suor congelava e dava hipotermia, se colocar roupa de menos dava hipotermia, então tinha que controlar a temperatura do corpo controlando o zíper do casaco e da calça abrindo e fechando conforme a temperatura, uns 40 minutos depois que sai do chekin 1 peguei uma trilha errada e fui parar na estrada, não acreditei no que tinha acontecido, tive que voltar tudo até achar a trilha certa, perdi umas 2 horas e varias posições alem de dar uma quebrada, pois fiquei muito chateado e para recuperar o tempo perdido, aumentei a velocidade, com a lanterna na cabeça no meio da trilha só dava para ver um caminho pequeno pela frente a temperatura já estava 37 negativos e pisei em buraco coberto pela neve afundando a perna direita e torcendo o joelho, ai que veio o pior, com muita dor tive que dar uma parada e como estava com pouca roupa(só a segunda pele e o casaco e calça de goretex, por estar correndo, nessa altura da prova já estava dando 37 negativos, rapidamente meus pés e mãos congelaram, já estava congelando o peito,( na prova não da para tirar o casaco e a calça para colocar outras camadas de roupa e colocar o casaco e calça novamente, pois congela na hora, tem que entrar no saco de dormir especial que suporta até 50 negativos e colocar as roupas dentro do saco), porem como minhas mãos congelaram eu não tinha como abrir minha bolsa de material, minhas mãos não mexiam, pensei “ vou morrer, estou congelando” estava andando de um lado para o outro sem direção me debatendo de frio, quando vi vindo longe uma luz de uma lanterna e comecei a gritar “help, help”, vinha um atleta da marinha americana que por sorte falava português, o pai dele trabalha na Petrobras de Salvador(foi Deus quem mandou ele com certeza), falei com ele” por favor me socorre, estou morrendo congelado, minhas mãos não mechem para eu abrir o saco de dormir e entrar dentro para colocar outras camadas de roupas”, na mesma hora o Luke armou meu saco de dormir, colocou roupas e comida dentro e me colocou dentro do saco, fiquei mais de uma hora lá dentro me debatendo até o corpo voltar a temperatura normal, o Jarom passou e perguntou se eu precisava de ajuda dei o meu ok para ele, veio o Snomobil(moto da neve) do resgate para querer saber se eu queria abandonar e ir com eles, mas recusei e depois de me alimentar, coloquei 3 camadas de roupas mais o casaco, 3 pares de méis, 3 luvas e 3 calças, quando fui colocar o tênis que tinha ficado do lado de fora do saco, ele estava congelado, tive que ficar batendo no tênis até o gelo quebrar para poder colocar e voltar para a prova. Só queria chegar no chekin 2 para me recuperar para os 110 km finais, voltei me arrastando, muito desgastado física e mentalmente devido ao susto que tomei quase morrendo congelado, com um esforço sobrenatural vi de longe a cabana onde era o chekin 2, tinha que atravessar um enorme lago congelado e poderia me recuperar para os últimos 110 Km, parecia interminável, mas cheguei na cabana, todo equipamento congelado e eu destruído.
Quando sai do chekin 2 faltavam umas 2 horas para escurecer e não queria passar outro sufoco de ver a morte de frente, mais da metade dos atletas já tinham abandonado a prova, então preferi fazer essas 2 horas mais lento e com mais roupas para não suar, mas também não congelar quando chegasse a noite, sai com 4 camadas de roupas, o joelho direito ainda doía, porem eu precisava muito conseguir cruzar a linha de chegada, agora são 110 Km direto sem chekin nenhum e teria uma noite e um dia para conseguir, na madrugada deu 40 negativos e graças a deus estava quentinho não passei o sufoco, só que com 4 calças deu assadura entre as pernas e roçando em cima das assaduras, acabaram virando dias feridas, os últimos 40 km foi a pior maratona que um ser humano poderia fazer, ia de pernas abertas por causa das assaduras e mancando da perna direita por causa do joelho, comia neve para matar a sede, pois minha água congelou toda, os calcanhares estavam cheios de cortes por causa do gelo, peguei a bandeira do Brasil na mão e pensei “agora vai ter que ser na garra, na raça”, lembrei do Ayrton Senna e cada passo era um sofrimento, faltando 5 Km encontrei o espanhol “Carles Connil” e foi o que eu precisava, fomos juntos até a linha de chegada, demorei 10 horas para fazer os últimos 40 km completando a prova em 58 horas, chorei muito em uma mistura de dor e alegria me tornando o primeiro brasileiro a terminar essa prova e o único atleta do mundo inteiro a completar todas as provas da “BAD135 World Cup”.
Quando terminou a prova o João e o Jarom estavam lá me esperando na linha de chegada e me ajudaram com os equipamentos e cuidaram de mim trazendo comida e tirando o material que estava congelado no meu corpo.
Agradeço aqui a HSportes, Ricolli Viagens e ao Mac Donald’s de Niterói, pois sem eles nada disso seria possível, agradeço também a paciência da minha família por aturar os treinos intermináveis e o tempo que estive fora para a prova.